(...) Depois tudo passou e Macabéa continuou a gostar de não pensar em nada. Vazia, vazia. Como eu disse, ela não tinha anjo da guarda. Mas se arranjava como podia. Quanto ao mais, ela era quase impessoal. Glória perguntou-lhe:
- Por que é que você me pede tanta aspirina? Não estou reclamando, embora isso custe dinheiro.
- É para eu não me doer.
- Como é que é? Hein? Você se dói?
- Eu me dôo o tempo todo.
- Aonde?
- Dentro, não sei explicar.
Aliás cada vez mais ela não se sabia explicar. Transformara-se em simplicidade orgânica. E arrumara um jeito de achar nas coisas simples e honestas a graça de um pecado. Gostava de sentir o tempo passar. Embora não tivesse relógio, ou por isso mesmo, gozava o grande tempo. Era supersônica de vida. Ninguém percebia que ela ultrapassava com sua existência a barreira do som. Para as pessoas outras ela não existia. A sua única vantagem sobre os outros era saber engolir pílulas sem ágúa, assim a seco. Glória, que lhe dava aspirinas, admirava-a muito, o que dava a Macabéa um banho de calor gostoso no coração. Glória advertiu-a:
- Um dia a pílula te cola na parede da garganta que nem galinha de pescoço meio cortado, correndo por aí.
- Por que é que você me pede tanta aspirina? Não estou reclamando, embora isso custe dinheiro.
- É para eu não me doer.
- Como é que é? Hein? Você se dói?
- Eu me dôo o tempo todo.
- Aonde?
- Dentro, não sei explicar.
Aliás cada vez mais ela não se sabia explicar. Transformara-se em simplicidade orgânica. E arrumara um jeito de achar nas coisas simples e honestas a graça de um pecado. Gostava de sentir o tempo passar. Embora não tivesse relógio, ou por isso mesmo, gozava o grande tempo. Era supersônica de vida. Ninguém percebia que ela ultrapassava com sua existência a barreira do som. Para as pessoas outras ela não existia. A sua única vantagem sobre os outros era saber engolir pílulas sem ágúa, assim a seco. Glória, que lhe dava aspirinas, admirava-a muito, o que dava a Macabéa um banho de calor gostoso no coração. Glória advertiu-a:
- Um dia a pílula te cola na parede da garganta que nem galinha de pescoço meio cortado, correndo por aí.
Depois de falar de Clarice, pensei muito na ideia de colocar uma de suas obras mais conhecidas, "A Hora da Estrela". Esse foi a última obra de Clarice, que soou como uma despedida, já que pouco tempo depois ela morre - não gosto desses detalhes, afinal para mim, uma escritora como ela, jamais morre.
A história começa sendo narrada por Rodrigo S. M. , um escritor que chega a ironizar a própria obra, pelo estilo de narrativa que ele utiliza. O "narrador-personagem" conversa com o leitor, dizendo que se sente sufocado, e escreve porque se sente desesperado e cansado, e só escrevendo ele alcança novidades, e sem isso, já estaria morto. Após, Rodrigo revela que está escrevendo sobre a vida de uma pessoa tão simples - e está vestindo roupas rasgadas, faltando fazer a barba - , e durante o período que ele escreve (se dedica a esses livros), nem pensa, nem vê e faz nada que o influêncie.
Rodrigo conta a história de Macabéa (andei lendo uns detalhes realmente interessantes, e descobri que o nome da personagem vem de uma irônica comparação aos sete macabeus, personagens da bíblia), uma retirante nordestina, que logo após a morte de seus pais, passa a morar com uma tia, beata, que batia muito nela. Maca, muda-se de Alagoas para o Rio de Janeiro, passando a viver em um quarto com várias Marias na rua do Acre, só tinha até o terceiro ano do primário e trabalhando como datilógrafa - profissão da qual se orgulhava, mas não executava tudo com perfeição, errando diversas palavras, chegando quase a ser demitida, só que seu patrão, Raimundo, mediante o pedido de desculpas, diz que será "demitida mais adiante".
Macabéa era uma pessoa "vazia", fazia quase tudo mecânicamente, Rodrigo diz que ela "vivia em tanta mesmice que de noite não se lembrava do que acontecera de manhã". Quando sentia fome durante a noite, comia papel imaginando que era uma "coxa de vaca"; rezava toda noite (parou de frequentar a igreja, logo que sua tia morreu), mas não acreditva em Deus, porque ela não sabia como ele era, e para ela, ele não exitia.
Um dia, Maca mentiu para o patrão, dizendo que iria arrancar um dente, e pela primeira vez, deu-se o prazer de não fazer nada. Neste mesmo dia, pela tarde, ela arruma um namorado chamado Olímpio de Jesus - mentia se chamar Olímpico de Jesus Moreira Chaves, era nordestino também, e era uma pessoa muito pobre culturalmente, além de "judiar" muito da protagonista-personagem.
Uma das poucas coisas que Maca gostava, era tomar café frio (mesmo sentindo azia depois), pintar as unhas de vermelho, ir uma vez ao mês no cinema e ouvir uma através de um rádio emprestado, a chamada "Rádio Relógio" - com isso, novamente pode-se perceber a inocência que havia nela, e que foi literalmente "destruída": "Ouvia na Rádio Relógio que havia sete bilhões de pessoas no mundo. Ela se sentia perdida. Mas com a tendência que tinha para ser feliz logo se consolou: havia sete bilhões de pessoas para ajudá-la".
Pouco tempo depois, Olímpico termina o namoro com Macabéa, interessandos-se pela "colega de trabalho de Maca", a chamada Glória (Olímpico termina o namoro chamando ela de "cabelo na sopa", já a moça era "carioca da gema" e com ela obteria a ascensão social que tanto almeja.
Glória, se sente culpada e começa a conversar com Maca (tornando-se agora a única ligação que a moça obtém com o mundo), recomendando que ela vá em um médico (o "médico de pobre", que a trata mal e dá como diagnóstico o início de uma turbeculose, e receita um remédio que Maca não compra, acreditando que somente à visita ao médico irá curá-la).
Seguindo os conselhos de Glória, novamente, Maca vai a uma cartomante - chamada Madame Carlota -, onde recebe pela primeira vez a notícia que teria um futuro, se sente "grávida de futuro", mas acaba morrendo logo após, atropelada por um carro e tendo seu breve minuto como estrela (sendo rodeada por pessoas para ver seu corpo). Nesse exato momento Rodrigo também provavelmente morre com a Maca, acabando assim a história.
Comparo essa parte ao conto do Machado de Assis, gera o mesmo sentimento : um mistura de indignação com a situação de Macabéa, as injustiças que ela passou, e a certeza de que o final iria ser esse, por mais cruel que a realidade seja.
Por Jessica.
Sabe aquela sensação temporária do nada, a falta do "sentir" que Macabéa cita? Toda vez que termino de ouvir histórias que terminam de maneira previsível e inacreditáveis (para mim, isso é um paradoxo), como em A Hora da Estrela, O Mulato, e o conto do Machado que já citei, parece que elas afloram com um sentimento de culpa e impunidade, "não sei como agir com o mundo". Muito menos explicar tudo que falei anteriormente. Finjam que adiantou de algo.
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